terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sobre o Menino com Cabelos Cor de Trigo...

Há quase três anos, desde 2006, perguntam-me e eu mesmo me pergunto por que adotar o clássico õ "Pequeno Príncipe", como livro de leitura para os meus alunos. Algumas pessoas criticam a minha escolha quando dizem que o livro de Antoine de Saint Exupéry é um livro voltado, exclusivamente, para crianças. Se por um lado, concordo com essa proposição, por outro, discordo, plenamente. Aí, começa um verdadeiro jogo de idéias, a um só tempo, simples e complexo.
Só tive contato com o "Pequeno Príncipe" logo após o término da Faculdade de Letras, em 2002. Antes, somente tinha ouvido falar, mas nunca, realmente, tinha pegado o livro e lido, consumido. E, por acaso, consegui de um representante de editoras, em 2004, o livro, que estava reservado para uma professora do CSCM (colégio no qual viria a trabalhar, no ano seguinte!). Li-o e, de repente, lembrei-de de que, nas tardes perdidas no sótão de minha memória de criança, já havia assistido à adaptação, em forma de filme, em TV preto e branco (saudades muitas daquelas tardes, quando criança, punha-me, sentado no chão, comendo o famoso pão "d'água" com café...) do clássico. Senti um choque, uma descarga elétrica imaginária em todo o meu ser. Percorri toda a obra, novamente, reli-a, no mesmo dia e percebi um dos incontáveis sentidos que o autor, talvez inconscientimente, tenha imprimido no ato criativo do clássico. Percebi que aquele livro era mágico, dentro de simplicidade. Percebi que o mundo, visto pelo olhar inocente de uma criança, é verdadeiro e ganha novas matizes. Notei que quando o bicho-homem cresce, perde, em proporção inversa, a capacidade de sentir o mundo, de usar os sentidos que a Mãe Natureza lhe proporcionou. chocado, senti em mim, uma vontade doida de dizer às pessoas à minha volta o quanto elas representavam para mim, não pelo o que elas possuíam, mas pelo que elas me faziam sentir (raiva, amor, saudade, remorso, inveja...). Observei que não seria nada, com milhares de reais em minha conta bancária, com imóveis, bens duráveis, se não tivesse o calor de um abraço, se não ouvisse a voz daqueles que amo, se não pudesse chorar quando soubesse que, ao longe, estariam aqueles que me conhecem como sou, quem sou e o porquê de eu ser como sou.
Lembro-me de que no momento, chorei um pouco. Lágrimas quentes e verdadeiras que me mostraram o quanto eu sou responsável por aqueles que eu consigo cativar. Esse verbo passou a ter, então, um valor semântico bem mais profundo (se é que, em algum momento de minha vida, eu tivesse realmente usado-o...). Percebi que, quando magôo alguém, estou fazendo sangrar o peito daqueles que passaram a ter por um sentimento maior e diferente daqueles sentidos pelas outras pessoas. Realmente, neste ponto, concordo, perfeitamente, com aqueles que crêem que o "Pequeno Príncipe" é um livro feito para crianças. Não pelo de muitos o considerarem como um livro cheio de gravuras e superficial. Não por isso! Mas pelo fato de acreditar que aquele menino com cabelos cor de trigo, que conseguiu cativar a raposa, que se deixou levar pelos ardis da serpente, que ensinou ao piloto que nunca devemos deixar morrer a criança que temos dentro de nós, que, embora não entendesse a sua flor, amava-a, incondicionalmente... Enfim, aquele menininho que chegou ao planeta Terra, buscando conhecimento e que partiu, sabendo que para amarmos alguém o necessário, simplesmente, é entender que o mais importante de tudo é o calor que sentimos quando vimos o ser amado, quando, mesmo p... da vida com ele, o queremos para sempre em nossa vida.
O "Pequeno Príncipe", contudo, é voltado, principalmente, para aqueles que perderam a sensibilidade (como o narrador-personagem da obra, chamado de "Piloto"). E é importante ressaltar que, para tentar entender o livro, apenas uma leitura não é o suficiente, já que a obra apresenta uma sucessão de significados morais que resumem a existência de vários estereótipos humanos. Uma única leitura feita por quem não sabe chorar serve apenas para mostrar a todos que não sabemos nada sobre amor, desejo, saudade, ignorância etc etc etc. Somos nada diante da simplicidade de um olhar, de um ósculo roubado, de uma lágrima cristalina, de uma discussão por bobagem...
Desde que adotei o livro como referência, encontro os problemas que obstam uma melhor compreensão da obra, uma vez que há alunos que dizem ser uma obra chata, cansativa, sem graça. Este é o ônus de se tentar mostrar para aqueles que estão em fase de formação intelectual que a compreensão de um texto não se resume, basicamente, na leitura tacanha das linhas, mas, principalmente, em conseguir entender até mesmo aquilo que o autor não quis dizer. É conseguir "ler" não com os olhos, mas com o âmago do coração, do corpo, da pele. Todos os anos encontro os alunos mais resistentes, mais fechados e que precisam ser "cativados" por alguém como o príncipe de Exupéry.
Existem, contudo, aqueles que deixam que a sensibilidade aflorar, que a guardam bem debaixo da pele, na camada mais externa e, de repente, sentem o mundo como ele é e não pelas ínfimas aparências. São aquelas pessoas que já foram cativadas ou que desejavam eminentemente serem cativadas. E que no meio de sua trajetória de vida, encontraram o Tintinão aqui. Um cara chato, incialmente antipático, exigente, duro, quando preciso, mas extremamente emotivo e que curte ser assim, pois o mundo é dos loucos, daqueles que sabem a hora certa de ser o chato, o emotivo, o chantagista, o ingênuo, o chorão, o amável. O Davi aqui é imperfeito. Possui um monte de características detestáveis. Mas, aprendi com a raposa que a conquista independe de ser ou não isto ou aquilo, frito ou assado, quente ou frio. O que importa, verdadeiramente, é capacidade íntima de cada um de ser feliz e fazer os outros felizes, apenas com um olhar, apenas em olhar a cor do trigo e lembrar daquele ou daquela que amamos...

3 comentários:

Askabusky disse...

Vou expressar meu sentimento com uma palavra... Ou melhor, um palavrão: C-A-R-A-L-H-O.

Urbana Legio disse...

"Existem marés, existe a lua e existem canções... Existe também o Legião Urbana... e agora existe o Blog do Tintinão!!!"

Unknown disse...

Após ler o livro, eu também pensei assim: ''a compreensão de um texto não se resume, basicamente, na leitura tacanha das linhas, mas, principalmente, em conseguir entender até mesmo aquilo que o autor não quis dizer. É conseguir "ler" não com os olhos, mas com o âmago do coração, do corpo, da pele.''; não nessas mesmas palavras, mas com o mesmo sentido, mesmo pensamento que o seu; pensei até assim: puut'z meus filhos iram ler esse livro o.o'. E a cada página eu imaginava coisas, cenas e fatos que não dão para serem descritos aqui, e.. valeu Davi por ter ''obrigado'' (=P) os seus alunos a lerem esse livro, por que talvez o Pequeno Príncipe seria apenas mais um livro, do qual eu já teria ouvido falar; e não uma apredizagem, a ver os valores nas pequenas coisas, com um simples olhar de criança!!