Olá, meus queridos, amigos, colegas, amor, família, alunos... Faz tempo que não passo por aqui, a fim de jogar palavras no teclado, ficar com dúvida sobre o que dizer, ou melhor, escrever, para leitores cuja presença aqui não tenho certeza se virá, "perder um pouco de tempo", para ler as palavras que vou transmito neste fluxo louco que é a internet.
Faz mais de ano que não atualizo o blog, mesmo porque não quero ser visto como aquele que escreve para estar sempre dizendo algo, como se tudo que acontecesse fosse digno de um artigo aqui neste ambiente. Gosto de maturar as ideias. Deixá-las, algumas vezes, em banho-maria. Gosto que as ideias vicejem no meu cérebro, até que elas me obriguem a vir aqui e expô-las, maduras, como fruta que apanhamos embaixo da árvore e a devoramos, rápida, suculenta, apetitosa.
Para mim, as palavras boas, são as palavras digestivas. Aquelas que entram, descem pela garganta, escorregam fáceis, e nos alimentam, infinitamente, com seu poder de preencher um espaço que nunca mais ficará vazio, porque elas, as palavras sucululentas, não vão embora, criam radículas, espalham-se dentro de nós, produzem pensamento, obrigam-nos a criar mais palavras...
É algo semelhante à boa literatura, que não necessariamente tem que ser uma literatura cujo princípio é o das histórias de contos de fadas, com finais felizes, cor de rosa com azul. A boa literatura me excita. Causa-me frenesi. Digamos que até mesmo mal-estar. Porque nos obriga a pensar. A viver aquela realidade. A sentir um mundo que não é nosso, mas que se torna nosso porque adentramos por ele, pelas palavras, que nos carregam, nos sugam, nos consomem, criando em nós, matéria nova. Sou amante das palavras. Não me recordo um momento da vida em que elas não estiveram presentes. Desde moleque, quando, na minha inocência, furtei da pequena biblioteca do escola em que cursava o primário. Eu era magricela, cabeça grande, usava calça-curta, tênis conga. E achava fantástico ir, após o lanche, correr para a biblioteca ficar vendo aquele mundinho de livro, com a bibliotecária, lá no canto dela vendendo produtos da revista Avon, para complementar o salário ralo. E eu, namorando os livros que não podiam sair, já que eram únicos, não tinham mais de um volume. Então, eu ficava ali, transtornado na minha invisibilidade pueril, mais um aluno em meio a uma multidão de moleques que corriam loucos pelos corredores e pelo pátio da escola. Até que um dia venci a mim mesmo e, aos 10 anos, cometi meua primeiro e dramático delito: furtei o livro. Coloquei embaixo da camisa de botão, branquinha, cujo bolso possuia a imagem da bandeira do município de Mossoró. Coloquei, sofrego, suando bicas, tremendo, por medo de ser pego em flagrante delito e ser preso pela autoridade escolar. Sai de fininho, e quando cheguei ao corredor, corri, corri, corri muito até chegar à sala de aula e conseguir depositar a "joia roubada" em minha mochila, que estava com o zipper quebrado. Meu Deus!
Agora mesmo, quando me recordo, ainda sinto a aflição do momento, do perigo. Fiquei louco para chegar em casa e me deleitar com a história de Robison Suíço, um cara que, em viagem com a família, teve o seu destino alterado por um naufrágio, ao qual escapou apenas ele e sua família, indo para em uma fantástica ilha deserta. Lembro-me que não queria fazer outra coisa que não fosse ler aquela aventura. As palavras me puxavam para aquela ilha, eu me via correndo atrás das avestruzes com os filhos do náufrago. Dormindo em uma casa linda, trepada numa árvore gigantesca. Eu me via indo ao návio pegar tudo aquilo que pudesse ser aproveitado no nova terra, naquela ilha, mais enigmática do que a ilha de LOST.
Ainda tenho esse livro. Na verdade, está com o meu sobrinho Matheus. Eu o emprestei para ver se ele dá um tempo nas revistinhas da turma da Mônica. Ao que parece, meu sobrinho também é viciado em livros. Se lhe compro dez revistas para ele passar o mês, o moleque ler tudo no mesmo dia. O vocabulário dele é fantástico. Conhece palavras que me causam espanto para a idade dele. Recordo-me de um livro, que ainda não li. Acho que é "A menina que roubava livros". Um dia o lerei para ver se guarda semelhança com a minha história. A minha fantástica história infantil de um garoto sonhador, apaixonado pela vida, que ficava vendo o mundo passar diante dos seus olhos, encantado com a possibilidade de criar história na minha cabecinha cabeluda (hehehe, quando criança meu cabelo era tipo volumoso, crespo, minha mãe demorava a mandar cortar, tempos das vacas magras...). Criava narrativas fantásticas, onde eu, obviamente, era o herói. Fortão. Conquistava a garota, que à época, era a dos meus sonhos: Daniele...
Cresci. Li de tudo. Flaubert. Dostoiévski. Eça de Queirós. Stendal. Machado. Li também um bocado de livros pesados para a minha adolescência: Adelaide Carraro é de que agora me recordo. Fanstásticas histórias erótico-pornográficas que não eram indicadas para adolescentes, mas que não sei bem o porquê, havia na biblioteca pública de Mossoró (se eram proibidas por que, então, estavam à merçê de todos? inclusive eu?). Ah, li também Jean Genet. Livro pesado, mas considerado um clássico para os que discutem questões relacionadas ao gênero, à sexualidade.
Até um tempo atrás, eu tinha uma lista com nome das obras e autoria que tinha lido até os dezoito anos. Perdi a agenda. Mas me recordo que já tinha lido uma média de 300 obras até os dezoito anos de minha infância e adolescência de um garoto que sempre foi meio observador do mundo. Hoje, estou concluindo mestrado em Literatura Comparada na UFRN. Dou aula de Língua Portuguesa e Literatura no IFRN. E sou a favor que meus pupilos leiam de tudo. Desde a literatura tida como clássica até a literatura que causa o pavor dos mais conservadores. Talvez por isso que tenha optado em estudar o meu ídolo: Nélson Rodrigues e a sua transgressiva Engraçadinha. Talvez tenha lutado para ser orientando de Ilza Matias, professora da UFRN, que possui um mundo de leituras que não se enquadram no perfil do cânone.
Quero no doutorado continuar lendo transgressões, porque elas nos mostram o mundo como ele é, ou como poderia ser. Trabalho com aquilo pelo qual sempre fui apaixonado: livros, palavras, imagens... Foi pela leitura que cometi o meu primeiro delito de amor: roubar um livro, como um beijo roubado da pessoa que se ama. Quando estou lendo, PQP! Sinto-me forte porque quebro fronteiras geográficas. Conheço o frio das regiões desconhecidas. Fujo do calor de Mossoró. Mas volto para a sequidão de histórias de amor passadas no Deserto do Saara (Eita Pequeno Príncipe Velho de Guerra...). Quando eu leio, fico mais inteligente. Porque pense em algo chato você conversar com alguém que não consegue falar sobre arte, sobre literatura, sobre cinema, sobre sentimentos, sobre vida...
Por esses dias, lancei uma questão para os meus alunos do terceirão do IFRN, após termos lido um conto de Clarice Lispector: Devaneios e embriaguez duma rapariga. Eles tiveram que produzir um pequeno texto a partir da seguinte indagação: "A literatura é reprodução da realidade ou a literatura produz realidade?", usando as substâncias que vieram pelo contato com Clarice... Sentei-me em frente ao PC, hoje, para falar sobre algo que não tinha certeza. De repente, elas me tomaram: as palavras e me vi, repentinamente, contando a minha intimidade. A-minha-pequena-trajetória-como moleque-roubador-de-livros-de-uma-pequena-escola-na-pequena-cidade-de-Mossoró. Literatura, para mim, é vida. Vida que se renova a cada leitura. A cada novo leitor. A cada nova emoção despertada.
Se um dia me perguntarem se eu sou um cara do bem, não sei dizer, com exatidão, se sou digno de ser copiado, como exemplo de boa conduta. Seria muita pretensão de minha parte. Mas sei, certamente, que me torno um cara melhor, com mais sensibilidade para compreender a mim mesmo e ao outro. Às vezes sou monstro. Às vezes sou santo. Aprendi a ser melhor amante. Aprendi a não me torturar quando cometo pequenos desgostos aos outros. Creio que serei sempre um amante de literatura, porque me vejo como um eterno Robinson Suiço, vivendo em uma ilha-paraiso. Sendo um capitão de uma jangada, com o sol batendo e queimando o meu rosto de pele brança, comendo peixe frito na fogeira. Tomando banho pelado no mar azul...
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